"Vença a si mesmo e terá vencido o seu próprio adversário." (Provérbio japonês)



“Presos ou soltos, nós, seres humanos, somos muito cegos e sós. Quase nunca conseguimos transcender os nossos estreitos limites para enxergar os outros e a nós mesmos sem projetar o nosso próprio vulto na face alheia e a cara dos outros na nossa.”

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terça-feira, 10 de agosto de 2010

A depressão é desesperadora, mas nem sempre é doença.

           Depressão: Alguns aspectos dos processos depressivos

Por :Esther Carrenho


Trabalho apresentado no VII Fórum Brasileiro da ACP, Nova Friburgo, RJ, 2007. Livro da autora: Depressão tem luz no fim do túnel, publicado pela Editora Vida.


 A depressão é desesperadora, mas nem sempre é doença.

Pesquisas indicam que a depressão é um dos distúrbios psiquiátricos mais freqüentes no Brasil e no mundo. As pessoas que buscam ajuda em psicoterapia, na maioria, o fazem por estarem deprimidas ou por acharem que estão deprimidas. Como se não bastassem o mal-estar e a angústia tão freqüentes nas depressões, em geral o deprimido não encontra aceitação em seus familiares. Ao contrário, estes se apressam a encaminhá-lo logo para um médico que vá receitar algum remédio, acreditando que dessa forma o desconforto de conviver com alguém que enfrenta uma depressão seja eliminado. No entanto, a mesma medicação que pode ajudar, se não for ministrada adequadamente, em conjunto com a ajuda psicoterapêutica competente e amorosa, em que a pessoa pode reavaliar sua própria vida e se sentir apoiada, só fará com que se empurre com a barriga a conscientização dos motivos que podem causar os desajustes depressivos. Pior foi verificar que muitas vezes no meio religioso, principalmente no evangélico, além de não existir o acolhimento tão necessário à pessoa em depressão, ainda ela vai ser acusada de não crer, de estar em pecado. Como se isso não bastasse, não raras vezes o deprimido ainda será exorcizado, como se o próprio demônio estivesse incorporado nele. Tudo isso coopera ainda mais para que a pessoa aumente sua condenação, a depreciação de si mesma e a dificuldade em se acolher num momento tão dolorido.

Li várias vezes, meditei e refleti sobre os altos e baixos emocionais na vida de vários personagens bíblicos: Davi e sua depressão; a tristeza profunda na vida de Jó, que amaldiçoa o dia de seu nascimento, lamentando ter recebido os cuidados específicos que todo recém-nascido precisa; os momentos depressivos na vida de Moisés, que questiona, discute com Deus e se nega a continuar com o peso de cuidar do povo insatisfeito no deserto; Elias , o profeta, que fica tão deprimido que deixa de comer e deseja morrer, e vi que Deus não repreendeu as pessoas, não as julgou nem as condenou! Ao contrário, segundo relato bíblico, foi paciente e cuidou amorosamente para que cada uma delas pudesse encontrar alívio e forças para retomar o próprio caminho. Descobri ainda que Cristo, também passou por momentos de profunda tristeza. E foi paciente e amoroso com cada pessoa que conviveu com ele, nos momentos de tristeza, choro, desânimo, decepção e desconfiança, ajudando a cada uma a se recuperar e a retomar a normalidade da vida emocional.
Essas descobertas trouxeram um impacto tão grande em minha vida que tive vontade de sair gritando num alto-falante de tamanho gigantesco, a alcançar o mundo, que a depressão é desesperadora, mas na maioria das vezes não é doença. E está dentro de uma reação normal do ser humano diante de dificuldades e momentos difíceis na vida! E que há também tesouros infindáveis nos processos depressivos; que a pessoa que passa por uma depressão precisa, acima de tudo, de compreensão empática e de acolhimento amoroso!

O que é depressão
Depressão é uma tristeza que parece não ter mais fim. Essa é uma frase que define
Depressão é uma tristeza que parece não ter mais fim. Essa é uma frase que define de modo bem simples a depressão. O problema já passou ou ocorreu há muito tempo e a tristeza continua presente, forte, como se fosse uma tatuagem impregnada na alma.
Em psiquiatria e psicologia, o conceito de depressão se apresenta em geral bastante vago e amplo. Dr. Uriel Heckert, professor de psiquiatria, diz que depressão “é um estado de sofrimento psíquico caracterizado fundamentalmente por rebaixamento do humor (isto é, do estado afetivo básico apresentado pela pessoa), acompanhado por diminuição significativa do interesse, prazer e energia”.
A depressão é algo que todos experimentam até certo ponto e em períodos diferentes da vida, não importando idade, sexo, raça, religião, educação, personalidade ou nível social. Pode-se apenas passar por acontecimentos que por si só já são depressivos, como perdas pela morte de alguém querido, rompimentos de relações afetivas, falências financeiras, perda da saúde ou ainda frustrações diante de algo que se esperava muito. Para muitos, a depressão pode chegar sem um motivo claro e sem que a pessoa esteja experimentando alguma perda aparente. E para outros ainda ela pode ser desencadeada por alguma perda, mas ultrapassa o limite do tempo considerado normal, na elaboração do luto da referida perda. Essa abrangência da depressão faz com que os autores pesquisados classifiquem-na de acordo com intensidade, gravidade, incidência, durabilidade e causas aparentes.
Sílvia Ivancko, psicóloga, esclarece também que a depressão causa transtornos ao sistema químico do corpo:
Quimicamente, a depressão é causada por um defeito nos neurotransmissores responsáveis pela produção de hormônios, como a serotonina e a endorfina, que nos dão a sensação de conforto, prazer e bem-estar. Quando há algum problema nesses neurotransmissores, a pessoa começa a apresentar sintomas como desânimo, tristeza, autoflagelo, perda do interesse sexual, falta de energia para atividades simples. [2]

Mauro Maldonado, psiquiatra e professor da Universidade de Nápoles, Itália, cita estudos e pesquisas da Organização Mundial da Saúde (oms) que indicam a depressão como a doença mais diagnosticada atualmente pela psiquiatria. Ele diz ainda que, considerando-se todos os problemas de saúde surgidos no Ocidente, a depressão fica em quarto lugar.
Um dos jornais de São Paulo citou a pesquisa feita em 2005 com mil trabalhadores das cidades de São Paulo e Porto Alegre, pela International Stress Management Association no Brasil (Isma-br), indicando que, de cada dez trabalhadores, um está com depressão, sendo o trabalho apontado como fonte principal do estresse causador da depressão.
Segundo reportagem de Raquel Bocato, o médico Marcelo Nial, psiquiatra da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), diz que pode haver algum exagero nessas estatísticas: “Hoje, as pessoas não dizem mais que estão tristes, mas que estão deprimidas. Não dizem mais que têm medo, mas que estão com fobia. Não dizem que estão cansadas, mas estressadas”.E Virginia Moreira, doutora em psicologia clínica, arremata, concordando com Marcelo Nial: “O que se observa nas sociedades contemporâneas, no entanto, é que a palavra tristeza está praticamente em extinção”. Mesmo considerando que há diagnósticos de depressão onde na verdade não existe depressão, Marcelo Nial concorda que um alto percentual de pessoas sofrerão de algum tipo de depressão na vida.
Um artigo do jornal da Associação Médica Americana sugeriu certa vez que o homem tem sofrido mais com o resultado da depressão do que de qualquer outra doença que tivesse afetado a humanidade. A depressão tem sido decididamente considerada como sintoma psiquiátrico mais comum, encontrado tanto em caráter temporário, numa pessoa normal, que passou por uma grande decepção, quanto na depressão profunda, em que as idéias suicidas estão presentes.
A depressão, ou melancolia, como era antes chamada, tem sido reconhecida como um problema há mais de dois mil anos. Recentemente, porém, ela vem atraindo tanto a atenção pública que alguns estão chamando nossa época de a “era da melancolia”, em contraste com a “era da ansiedade” que se seguiu à Segunda Guerra Mundial. Outros estudiosos do assunto, como Sílvia Ivancko, da qual já falamos, declaram que a depressão já é um problema de saúde pública e é o mal do século 21.
Martin Seligman, psicólogo, expressou-se da seguinte forma:
A predominância da depressão no mundo de hoje é estarrecedora... Ela é o resfriado comum da psicopatologia e vem tocando a vida de todos nós. Todavia, trata-se, provavelmente, da menos compreendida e da mais inadequadamente investigada dentre todas as principais formas da psicopatologia.

Nos dias atuais, a depressão tornou-se um tema comum, mas ainda é tida como uma disciplina científica difícil, pois suas hipóteses não estão em condições de serem verificadas ou refutadas com o mesmo grau de exatidão como acontece em outras áreas da ciência. Lewis Wolpert, radialista inglês e professor de biologia, diz muito bem que experimentou uma depressão considerada severa, mesmo sendo bem-sucedido no casamento e na carreira:
Mesmo atualmente com a variedade de sintomas que os pacientes podem relatar dificulta o diagnóstico da depressão. Infelizmente não há um único exame confiável que estabeleça o diagnóstico, como, por exemplo, um exame para comprovar infecção por bactérias, nem mesmo há sintomas coerentes e de fácil identificação, como no caso do sarampo e da caxumba. Há pouco tempo houve uma esperança de que um exame que medisse uma reação hormonal a um estímulo forneceria uma ferramenta para diagnóstico, mas infelizmente descobriu-se que não era o caso. É difícil saber quando uma flutuação normal do humor passa a ser uma depressão.Além do mais, mesmo quando os exames apontam para um desequilíbrio químico, como a deficiência de serotonina no organismo, não significa que a simples reposição da substância resolva o problema. É certo que o humor deprimido tem uma relação com o desequilíbrio químico do corpo, mas nem sempre é possível detectar o que aconteceu primeiro: se o desequilíbrio químico provocou a depressão ou se a depressão desencadeou o desequilíbrio químico.
Como se não bastassem todas essas dificuldades, a depressão, que em geral é entendida como algo que leva a pessoa a se tornar passiva, pode ainda aparecer misturada ou camuflada com conteúdos repletos de sentimentos, como a culpa, o medo e a hostilidade, que precisam ser considerados um a um com muito cuidado, pois em si esses sentimentos já são doloridos e trazem muito desgaste emocional e físico para a pessoa. Quando estão associados a um processo depressivo, eles se tornam verdadeiros monstros que podem exercer tamanho domínio sobre a pessoa a ponto de deixá-la inerte e sem esperança alguma.

Depressão e raiva

A depressão pode ser ainda apenas uma capa para encobrir a hostilidade negada. Situações de raiva e rancor que não foram elaboradas, sejam por quaisquer razões, podem trazer à tona sintomas depressivos disfarçando os conteúdos hostis sufocados na vida de uma pessoa. “A raiva reprimida não desaparece”, já afirmei em outro livro.Um leigo e até profissionais experientes terão dificuldades de perceber a raiva e o ódio em outras pessoas, e também em si mesmos, que a depressão encobre. A prostração e a inércia, sintomas comuns aos deprimidos, favorecem a descrença de que aquela pessoa possa ter um arsenal de ressentimentos e mágoas guardados em si, inconscientemente. “A raiva nos pacientes depressivos leva para a mais profunda depressão, embora a pessoa não o admita prontamente diante de outros”, diz Frank Lake.

E, para piorar, a pessoa em depressão se menospreza e se deprecia, usando a raiva acumulada contra outros, num ataque contra si mesma. Decio Gurfinkel, doutor em psicologia pela Universidade de São Paulo, declara:

O estado depressivo serve para esconder sentimentos hostis, que na maior parte do tempo permanecem inconscientes. Os sinais aparentes da depressão incluem desânimo, falta de energia, cansaço, desinteresse pelas pessoas e atividades em geral. Nesse estado de ânimo, o sujeito tende a ficar passivo e inativo, e, nos casos mais graves, prostrado. Pouco se percebe, no entanto, que subjacente a essas manifestações se encontra um profundo sentimento de ódio. É claro que, em diversos casos, observamos uma alternância entre estados depressivos e súbitas crises de mau humor, com explosões de raiva. Mas a relação entre depressão e ódio nem sempre é evidente. E o principal motivo disso é que o estado depressivo serve justamente para esconder o ódio, que permanece inconsciente a maior parte do tempo.

Depressão e medo

Mauro é um homem de meia-idade, calmo, bondoso e com capacidade para trabalhar bem em situações de tensão. Aos poucos, foi ficando temeroso e passou a vasculhar minuciosamente todas as contas sob sua responsabilidade na empresa em que trabalhava. Temia que um erro sob sua responsabilidade pudesse criar uma situação desastrosa. Ele é um homem honesto, mas tinha medo de ser acusado de algo que não tivesse feito, que pudesse custar-lhe a perda do emprego. Tinha pavor de imaginar que não daria conta de cuidar da mulher e dos filhos no que fosse necessário, mesmo que seus filhos já estivessem casados.



Sua depressão foi desencadeada quando ficou na malha fina do imposto de renda. Mauro não dormia, se alimentava muito mal, tinha tremores, taquicardia, desânimo, angústia e uma profunda tristeza. Perdeu o interesse pela vida. Não tinha energia física e se cansava com facilidade. O pavor tomou conta de tal forma que ele ficou letárgico e meio imobilizado. Temia o futuro, o fracasso e a possibilidade de que as pessoas que dependiam dele viessem a passar necessidades primárias. Seu médico, um clínico, sugeriu-lhe que buscasse ajuda psicológica.
No primeiro encontro, Mauro me contou do mal que sentia no corpo e na alma e falou de seus medos. Perguntei se havia outras situações na vida em que ele já tivesse se percebido com tanto medo. Ele fez que sim. “Quando era criança, eu ri de um menino. Um guarda, que era segurança na rua, viu e me disse que eu seria preso e sofreria muito. Fiquei apavorado. Fiquei dias e dias achando que a qualquer momento algum policial bateria na porta da minha casa e me levaria preso. Anos mais tarde, descobri que o homem que me ameaçou era apenas um guarda noturno, nem era policial. Na minha cabeça, tudo acalmou, mas acho que nas minhas emoções eu ainda temo qualquer pessoa em posição de autoridade. Nesses últimos tempos, tenho medo desde o gerente até o caixa de um banco. Tenho a sensação que a qualquer momento vão pegar algum erro meu e vou ser punido. Tenho medo de me apresentar aos fiscais do imposto de renda. É como se a punição que vou receber tenha uma dimensão tal que não vou dar conta.” Perguntei: “O que você acha que pode acontecer se realmente algum erro seu for detectado pela fiscalização do imposto de renda?”. “Nada”, ele respondeu e continuou falando. “Apenas terei de pagar a diferença com juros e correção monetária. Mas me fica a sensação de que serei preso.” “Então, parece que essa sensação está guardada aí por muitos anos, não é? Porque foi lá, na sua infância, que você experimentou essa sensação.” Ele concordou. “E parece que, naquela época, você não pôde falar com ninguém sobre seu medo. Teve de encará-lo sozinho.” Ele balançou a cabeça, indicando que concordava.
A depressão de Mauro surgiu em meio a uma crise comum, quando uma pessoa chega à casa dos cinqüenta anos e começa a avaliar o que já foi vivido, a se preocupar com o envelhecer e com o futuro. Mas estava claro que as sensações de medo não resolvidas, não integradas a suas próprias experiências, tinham saído do esconderijo e se manifestavam, acentuando mais ainda as inseguranças do presente e a depressão.
Não é meu objetivo aqui fazer um estudo aprofundado sobre o medo. Mas é necessário conhecermos um pouco do que ele é e do que pode causar numa pessoa, sobretudo se ela estiver num quadro reconhecido como depressivo.
Sentir medo faz parte do ser humano. Todos nós temos certa dose de medo que nos protege e nos preserva. É o medo de ser atropelado, em lugares onde os carros têm prioridade, que faz com que prestemos muita atenção antes de atravessarmos uma rua de trânsito. É o medo das incertezas do futuro que faz com que economizemos e poupemos algum dinheiro para uma possível necessidade nos anos em que o desempenho físico estará diminuído. Em geral, é o medo de ter de cursar uma mesma série duas vezes que leva um adolescente a estudar mais. E assim, poderíamos citar inúmeros exemplos de como um pouco de medo é necessário, saudável e nos faz bem.



Termo usado pela Receita Federal como referência aos critérios que identificam contribuintes cujos dados declarados não condizem com os dados já arquivados.O medo se torna prejudicial quando, diante de uma situação de ameaça, fica maior do que o perigo que na realidade existe, atormentando e paralisando a pessoa. O medo distorce a realidade e dá a ela uma dimensão irreal dos fatos
Nestas situações o acompanhamento psicológico é importante, para que a pessoa possa identificar as raízes do seu medo exacerbado e desconstruir valores, crenças distorcidas e memórias que em muitos casos foram sedimentados na vida, para então reconstruir algo novo sem o clima ameaçador de antes.

Mauro tomou a decisão de não usar medicamentos, alegando que no seu caso os efeitos colaterais eram bem piores do que todo o sofrimento da depressão. Aos poucos, ele foi compreendendo que era um adulto, que poderia enfrentar as situações de ameaças e descobrir, então, se daria conta do que fosse preciso. No episódio do imposto de renda, reconheceu que, se estivesse em dívida mesmo, poderia parcelar e liquidar a dívida. Sua família foi compreensiva e amorosa, ficando pacientemente ao lado dele, sem censuras ou cobranças. Hoje, Mauro afirma que seu sofrimento era como viver em noites de trevas medonhas. “Foi horrível. Mas acabou. Ainda tenho alguns medos, mas aprendi a lidar melhor com os sentimentos, a avaliar a intensidade das minhas sensações e compará-las com a realidade daquilo que entendo como ameaça.”
Não é a ausência ou a negação do sentimento de medo que faz com que alguém seja reconhecido como corajoso. Mas corajosos são exatamente aqueles que sentem medo, que, apesar disso, avaliam a realidade das situações temidas e as enfrentam, mesmo correndo riscos, quando percebem que podem superá-las.

Causas da depressão

Tanto no campo da saúde mental quanto da saúde emocional, há o reconhecimento de que existem múltiplas causas para a depressão, dentre elas a predisposição genética e as alterações de funções cerebrais, principalmente no nível de neuroquímica. Algumas enfermidades;uso de substãncias químicas e estresse.Por outro lado, a predisposição psíquica individual também pode favorecer o desenvolvimento do estado depressivo: padrões de pensamentos negativos, culpas, desejos e necessidades intensamente reprimidos, raiva contida, excesso de introversão, dependência e outros.
Outra causa de depressão é a desigualdade social, que gera uma cisão, deixando de um lado os fortes, poderosos e dominadores, que detêm em suas mãos o dinheiro, o conhecimento e todas as possibilidades humanas de cultura, desenvolvimento, regalias e posses; do outro lado, ficam os fracos, coitados, cansados, que dormem sentados, ou até mesmo em pé, dentro dos meios de transportes como ônibus, metrôs e trens, porque gastam duas ou três horas por dia dentro de uma condução para ir e voltar ao emprego que lhe rende um mísero salário.
A essa realidade das grandes capitais brasileiras, podemos juntar os indivíduos das cidades menores, que nem sempre precisam de ônibus, mas também recebem uma insignificância de salário, que mal dá para o feijão e arroz. É o grupo de pessoas que vêem com os olhos e lambem com a testa, que obedecem e se submetem, que não podem sonhar, planejar, muito menos poupar. Toda a energia é gasta na luta de fazer com que o que ganham dê para a comida e algum cuidado com o corpo.
Nesse grupo de pessoas, a depressão, inclusive as graves, pode aparecer de uma forma que se pareça com uma doença física e muitas vezes ela vem com sintomas de adoecimento do corpo mesmo. É uma dor de cabeça que não passa, dores nas costas, uma anemia que se torna crônica, fraqueza física, diarréias e mais uma infinidade de sintomas. Quem vive com intensas privações do suprimento das necessidades básicas dificilmente se dá o direito de ficar tão triste. A tristeza acaba sendo coberta por outros sintomas, mas é o jeito que aquele corpo encontrou para agüentar o desalento de tantas frustrações.
Se tivéssemos, porém, de resumir apenas em duas associações todas as causas da depressão, associaríamos ao luto e à culpa. Em psicologia, chamamos de luto o processo de reação às perdas, sejam quais forem; é o lamento por algo que não queríamos ter feito, é o entristecer por algo que não se tem mais, mesmo se desejando do fundo do coração. E tanto a culpa como o luto estão fortemente relacionados com as perdas e são reações que têm funções fundamentais e úteis na maturação humana.

Luto

Psicologicamente falando, a abrangência do luto não diz respeito apenas a perdas de pessoas queridas, pela morte. Inclui qualquer tipo de perda, que pode ser por morte, mudança geográfica, rupturas de amizade, namoro, parceria em negócios, do trabalho ou separação conjugal e divórcio. O luto por alguma perda, seja breve ou longo, precisa ir até o fim, para que a pessoa enlutada possa reestruturar sua nova realidade e continuar vivendo depois da perda sofrida.
No caso de morte de uma pessoa querida, o processo do luto é extremamente dolorido e por essa razão muitas vezes ele nem é iniciado. Outras vezes é interrompido pela metade e a dor de perder fica meio amortecida, mas ainda respira dentro do ser, impedindo que a pessoa enxergue aqueles que continuam vivos. A dor experimentada é profunda, cortante e desesperadora, tanto para os casos de morte como de separação de uma pessoa querida ou de alguém que tinha uma ligação muito forte com a pessoa que continua viva. Em geral, a pessoa enlutada entra num processo de muita tristeza. E nessas situações sentir e dar lugar ao entristecer fará parte da reorganização para viver sem a pessoa que se foi. É também uma tristeza que, quando experimentada em toda sua intensidade, aumentará a sensibilidade e trará enriquecimento para os outros relacionamentos. Rubem Alves vê muita beleza no entristecer. No capítulo sobre a tristeza, em Tempus fugit, ele faz uma descrição poética e confortante sobre a tristeza diante da ausência:
 “A tristeza é sempre bela, pois ela nada mais é que o sentimento que se tem ante uma beleza que se perdeu”

Depois continua, descrevendo a tristeza como um espaço onde um dia houve um encontro, e vai mais longe, quando considera a tristeza pela falta de algo ou alguém como uma amiga.
A vida é cheia de pequenas despedidas, e precisamos aprender a lidar com a dor da despedida, a nos despedir das perdas e partidas do cotidiano. Há pessoas que nunca se despedem. Saem de férias, mas continuam no trabalho; voltam ao trabalho, mas continuam de férias. Anoitece, mas elas continuam no dia; amanhece e elas continuam na noite. E assim vivem sempre divididas, não estão presentes com todo o ser no momento; estão sempre cindidas entre o que está disponível e o que já se foi. Penso que o crepúsculo é uma oportunidade e um tempo para nos despedirmos do dia e abraçarmos a noite. Assim como o amanhecer é um tempo para darmos adeus à noite e abraçarmos o dia. Só é possível desfrutarmos da vida com intensidade se soubermos dar adeus ao que já se foi, mesmo com dor e saudade, para ficar inteiramente presente no que está disponível.
Um dos canais para o escoamento da tristeza é o chorar quando tiver vontade. O choro dissolve os blocos de tristeza que se formam em nossa alma diante das perdas. Infelizmente não sabemos lidar com o choro e sempre queremos estancar as próprias lágrimas ou as lágrimas de alguém que chora a nosso lado. É certo que quem consegue chorar suas dores e tristezas não será vítima das depressões chamadas crônicas ou de lutos considerados doentios por causa do tempo de extensão, que se prolonga por demais, impedindo a pessoa de ocupar-se com a vida e com os que estão vivos.
Aprender a suportar a ausência faz parte da vida. Não se pode deixar para aprender a lidar com uma possível perda apenas quando alguém querido morre. Desde pequenas, as crianças devem participar das cerimônias funerais de despedidas de quem morre.A vida está repleta de mortes e nascimentos. É preciso saber se despedir do que morre, assim como é necessário saber abraçar e dar boas-vindas ao que nasce.
As perdas materiais incluem incêndios, falências, desfalques, assaltos, catástrofes da natureza etc. E incluem ainda o que vou chamar de perda emocional, aquela em que há a sensação de vazio por conceitos, crenças, valores, reputação ou auto-imagem que perdeu o sentido.
Formamos imagens idealizadas tanto de nós mesmos como das pessoas com as quais convivemos. No processo de crescer, somos chamados a reavaliar as idealizações, que nada mais são do que mentiras instaladas como verdades. E, à medida que se enxerga a realidade diferente daquela em que até o momento era vista, é possível se abalar de tal forma a experimentar um tipo de luto, ou seja, o vazio da perda daquilo que até então se acreditava existir. Na verdade, perdemos a identidade que até então era real para nós.
Em geral, as pessoas que se submetem à psicoterapia, ou que venham a experimentar qualquer crescimento provocando mudanças em sua vida, terão de lidar com a perda da imagem construída, o que até então funcionava como defesa e proteção. Quando perde essa fachada, a pessoa ainda não está adaptada ao novo que se apresenta como a verdade sobre si mesma. O conhecido e o velho não fazem mais sentido, mas o novo ainda não está sedimentado e assimilado. Muitas vezes, o novo nem se apresentou e, portanto, é totalmente desconhecido. A sensação do nada, de vazio e solidão é dolorida e desanimadora. É como se a pessoa tivesse perdido a si mesma.
Quem não busca mudanças para não sofrer por alguma possível perda de imagem acaba por sofrer muito mais, vivendo sob seus enganos e engolidos pela própria rigidez. Oswaldo Montenegro sabia disso quando fez a letra da música que canta:

"Hoje eu sei que mudar dói
Mas não mudar dói muito."



Culpa

É o ser capaz de sentir culpa que favorecerá a auto-avaliação e contribuirá para o desenvolvimento do processo decisório da vida. Este é um assunto extenso, que não abordarei em toda a sua amplitude aqui, mas, em geral, sentir culpa leva a pessoa a avaliar-se para descobrir de que tipo de culpa está sendo acometida, se há algo a reparar e, assim, decidir como viver diante do fato relacionado com a culpa sentida. Dessa forma, as crises depressivas podem estar carregadas de culpas tanto falsas, mas não menos doloridas, como legítimas, que nunca foram tratadas. Reveladas as culpas, podemos lidar com elas e encará-las de uma forma saudável e libertadora.
A culpa é o sentimento que mais pode destruir uma pessoa e seus relacionamentos humanos. O caminho da culpa é o caminho da autopunição, em que a pessoa vai destruindo sua vida aos poucos e renunciando a qualquer direito que tenha por achar que não o mereça.
A culpa pode ser um sentimento benéfico. Quando transgredimos um princípio pessoal, religioso ou social, a culpa funciona em primeiro lugar, como um tipo de árbitro que nos leva a pensar e a refletir sobre o ato praticado e conseqüentemente reavaliar se queremos ou não continuar com aquela conduta. Sentir culpa faz parte da condição do ser humano. Os animais não sentem culpa. Mas quem quer tornar-se um ser humano em sua totalidade terá de aprender a identificar e a lidar com a culpa. Judith Viorst, psicóloga americana, reforça a importância da culpa quando afirma que “o mundo seria monstruoso sem esse sentimento”. Não estamos livres para o vale-tudo. Tem de haver um limite entre uma pessoa e outra. E a culpa é uma auxiliar no estabelecimento desse limite.
O sentimento da culpa deixa de ser benéfico quando está ligado a uma realidade, um fato ou acontecimento do qual a pessoa não participou nem teve qualquer responsabilidade, mas, mesmo assim, ela acha que deveria ter feito ou deveria ainda fazer alguma coisa.
A culpa mais devastadora é aquela que está relacionada a algo que não se tem mais como reparar. A culpa pela prática de um aborto, por exemplo. Ou ainda pelo reconhecimento de ter tido uma conduta inadequada como pai ou como mãe. O tempo não volta. Passado é passado! Esse é um tipo de culpa que pode levar ao desespero, que só vai encontrar algum alívio na autopunição ou na busca de determinado sofrimento que traga danos para si mesmo, muitas vezes encontrado nos relacionamentos nocivos. O sujeito pode passar toda sua vida buscando se castigar na convivência e nos relacionamentos, com pessoas insensíveis e críticas, que exploram e tiram proveito usando a violência, ou ainda com aquelas que não se doam, não trocam e não cedem nada de si mesmas para o outro. Dessa forma, os culpados encontram o castigo que possa trazer-lhes um pouco de paz.
A fé cristã apresenta algo libertador como crença fundamental. Um dos aspectos mais terapêuticos do sacrifício vicário de Cristo é que, na sua condenação à morte na cruz, o castigo que nos trouxe paz estava sobre ele, por suas feridas fomos curados.Isso é o que há de mais libertador no cristianismo. O preço que preciso pagar para aliviar alguma culpa que tenho, seja ela boa ou má, exagerada ou adequada, consciente ou inconsciente, verdadeira ou falsa, dentro da fé cristã, já foi pago.


O valor da depressão
Posso imaginar que muitos leitores, ao ler esse subtítulo, estejam duvidando de que existe algum proveito na depressão ou em qualquer sintoma relacionado a ela. Mas a depressão não é de todo má e há depressões que são mesmo altamente positivas, que aparecem não só para preservar a pessoa, mas também para reestruturar todo o sistema familiar em que essa pessoa está inserida.
Deprimir é um sinal de que há alguma coisa que precisa ser mudada. E só se deprime quem ainda tem vida e está fortalecido para agüentar todo o horror da depressão.
Aqueles que aproveitam os períodos depressivos para se darem conta das dinâmicas usadas na vida perceberão que a depressão pode funcionar como se fosse uma sirene tocando para avisar que determinado local corre risco de incêndio.
Além disso, os períodos depressivos levam para um contato introspectivo maior. E alguns só na depressão é que param e pela primeira vez conseguem olhar para si mesmos. O mais interessante é que nessa viagem às profundezas do próprio interior é possível descobrir e resgatar qualidades ricas que certamente ajudarão muitas pessoas.
Diante disso, podemos encarar a depressão como uma oportunidade de aperfeiçoamento no nosso viver. Mesmo porque, quando uma pessoa se percebe deprimida, é um sinal de que ela está conseguindo entrar em contato com dores e tristezas escondidas em si mesma. Ela está tendo a oportunidade de integrar esses conteúdos doloridos em sua própria estrutura, para, assim, tornar-se mais inteira. Ser capaz de se deprimir é uma aquisição do crescimento pessoal. Muitos fogem da depressão por causa do sofrimento intenso que ela traz, mas recorrem a outros meios ou a comportamentos que mascaram a aflição interna.
No deprimido, todas as dimensões da vida poderão estar afetadas. Além de ter o desempenho afetado em conseqüência de seu estado de humor rebaixado e diminuição de interesse, os conteúdos dos pensamentos assumem um tom pessimista. A tendência da pessoa é isolar-se em seu sofrimento, evitando contato com outros. A vida torna-se desinteressante para o deprimido e, nos casos mais graves, a idéia da morte está presente. Em geral, a pessoa fica incapacitada para reagir sem uma ajuda de terceiros, que saibam acolher aquele que sofre, que tenham uma atitude amorosa para estarem próximos até que a crise termine.

O perigo do diagnóstico

Para a medicina, as dificuldades de elaborar um diagnóstico preciso sobre a depressão pode ser um problema. As doenças de ordem fisiológicas requerem um diagnóstico com maior exatidão possível, para que a indicação cirúrgica ou medicamentosa seja também a mais acertada possível. Porém, quando se trata de sintomas relacionados à depressão, vejo nessa dificuldade a vantagem de os profissionais prestarem muito mais atenção à pessoa, na busca de encontrar um diagnóstico mais acertado, para avaliar a necessidade de medicamentos, os mais indicados, por quanto tempo e ainda perceber se há necessidade de acompanhamento psicológico.
Carl Rogers, pai da psicologia humanista, iniciou sua profissão como psicólogo, segundo suas próprias palavras, “num trabalho de diagnóstico e de planejamento”, numa instituição que recebia crianças sem recursos financeiros e que eram consideradas delinqüentes. Depois de trabalhar doze anos dessa forma, Rogers concluiu que os, diagnósticos levantados tinham uma eficácia superficial e não ajudavam os pais no trabalho de restauração dos filhos. Ao contrário, às vezes até prejudicava, aumentando ainda mais a culpabilidade dos pais, deixando-os mais perdidos do que antes. Rogers se posicionou radicalmente contra o diagnóstico de comportamentos. E, na opinião dele, se for para existir esse tipo de diagnóstico, ele deve partir da pessoa na medida em que ela vai se percebendo e aumentando seu autoconhecimento, eliminando-se assim a crença de que o profissional em psicologia é um todo-poderoso especialista, de quem o outro fica dependente para uma avaliação e interpretação, enfraquecendo sua autoconfiança, percepção de si mesmo e sua autonomia.


A primeira coisa que precisamos fazer, como profissionais em psicologia, antes de aceitar qualquer diagnóstico apresentado pela pessoa ou por quem a indicou, é ouvir tudo que ela tem a dizer a respeito de si mesma, com interesse genuíno, empatia e muita atenção.
Tom Cruise é um bom exemplo de alguém que, com a ajuda da mãe, não se deixou levar pelo peso do diagnóstico. Numa entrevista, respondendo à pergunta sobre se sua dislexia foi diagnosticada na infância, ele disse:
Sim, mas não acreditei. Ao ficar mais velho, tentei leitura dinâmica. E só encontrava obstáculos. Isso nunca fez sentido para mim. Eu vivia frustrado. Tinha dificuldades para ler, sem dúvida. Eu era, pela definição deles, disléxico e, ainda segundo eles, provavelmente sofria de distúrbio do déficit de atenção. Eu perguntava: “Por que tenho esse problema? Como posso resolver isso?”.

Questionado sobre a medicação para esse “problema”, respondeu que sua mãe, Mary Lee, nunca permitiu que ele fosse medicado. E nem por isso Tom Cruise deixou de ser bem-sucedido em sua carreira de ator. Quando de fato uma criança apresenta uma dificuldade em ler e escrever, ela pode ser ajudada, se diagnosticada corretamente.
Diagnóstico é uma palavra que vem do grego e que literalmente significa “conhecer através de”. Henry Nouwen cita o dr. Karl Menninger, psiquiatra americano reconhecido pelo amor e interesse genuíno que tinha por seus pacientes, quando este, numa aula, esclareceu que o mais importante para um tratamento eficaz seria começar pelo diagnóstico. E Nouwen continua falando sobre o que seria um diagnóstico com base na definição etimológica da palavra:
Vemos que o primeiro e mais importante aspecto de toda a cura é um esforço interessado para conhecer integralmente os pacientes, com suas alegrias e dores, prazeres e tristezas; altos e baixos que formaram a vida deles e, através dos anos, os levaram à situação presente. Isso não é fácil, pois não só as nossas, mas as dores de outras pessoas são difíceis de encarar. Da mesma forma que gostamos de chegar a nosso destino através de atalhos, também gostamos de oferecer conselhos e tratamento aos outros sem saber exatamente que feridas precisam ser curadas.

Infelizmente, percebo que na atualidade, sobretudo nos casos em que os sintomas podem caracterizar algum tipo de depressão, os diagnósticos são feitos apenas para que se justifique o uso de medicamentos. Veja o que diz Virginia Moreira:
Mas são muitos, e cada vez mais freqüentes, os casos em que o diagnóstico é “adoecedor”, ou seja, se medica o sofrimento psíquico como sistema individual, quando muitas vezes ele é um sintoma social, vinculado a situações de vida de ordem social e política, tais como situações de violência, corrupção, competição ou exploração social. Isso sem falar
que muitas vezes se prescreve um tratamento para a tristeza, um sentimento genuinamente humano, que não é patológico. A tristeza precisa ser vivida, elaborada, e não anestesiada através de drogas.

O diagnóstico virou, em muitas situações, muito mais um rótulo do que um meio através do qual há o empenho em ouvir o outro atentamente para conhecê-lo melhor. Marcos Alberto da Silva Pinto, psicólogo com muita experiência clínica, afirma num artigo publicado em seu site: “O diagnóstico tem nos servido muito mais para estigmatizar e menos para ajudar. Por meio do diagnóstico, o outro já não interessa, os seus sentimentos, medos, necessidades. A pessoa que está por detrás do diagnóstico vira mero coadjuvante”.Tom Cruise poderia ter sido um exemplo da afirmativa de Marcos Alberto, caso sua mãe não tivesse mantido firme a decisão.
O diagnóstico pode tornar-se também perigoso para a família de alguém que apresenta uma enfermidade ou dificuldade emocional. Oswaldo Dante Milton di Loreto, médico psiquiatra, relata com um jeito carregado de humor esse perigo:
Famílias nas quais uma convulsão, ou apenas uma disritmia, ou um erro genético, faz disparar todos os ódios encobertos, todas as acusações e ressentimentos. A criança perde a identidade humana e passa a ser a “convulsão”, a “disritmia”, o “sopro”. Não podem chupar nenhum sorvete porque “cuidado com a convulsão”, ou podem chupar todos os sorvetes porque “coitado do convulsão”. E, assim, ficam tristes. Ou agressivos. Ou delirantes.

Mais triste que isso é que muitas dessas pessoas poderão buscar ajuda na psicoterapia e cair num consultório cujo profissional também a verá como isso ou aquilo, reforçando um rótulo já recebido. É como perder a identidade pessoal e única e ser vista através do rótulo recebido pelo diagnóstico.
Elisabeth Kübler-Ross, médica suíça, conta sua experiência com as pessoas diagnosticadas como psicóticas, quando foi trabalhar num hospital para doentes mentais:
O que eu sabia a respeito de psiquiatria? Nada. Mas sabia sobre a vida e abri-me para a miséria, a solidão e o medo que aqueles pacientes sentiam. Se queriam conversar comigo, eu conversava. Se falavam sobre seus sentimentos, eu escutava e respondia. Eles percebiam isso e, de repente, não se sentiam mais tão sozinhos e amedrontados.

Tenha o diagnóstico que tiver, não podemos, como profissionais, jamais esquecer que ali está uma pessoa com sentimentos e necessidades, com uma história de vida única e inigualável, que precisa ser considerada sem o filtro do diagnóstico e merece, além de respeito, o nosso interesse genuíno. Erramos vergonhosa e desumanamente quanto passamos a perceber a pessoa através do diagnóstico. A pessoa sempre será mais importante que o diagnóstico. O diagnóstico é só uma referência e não o contrário. É preciso que revertamos a utilidade do diagnóstico a favor e em benefício da pessoa.
Cada pessoa é única e é assim que devemos vê-la. E nada é mais importante do que aquilo que ela tem para contar, dentro da sua experiência e percepção. A nossa acolhida e aceitação poderá ser a facilitação de que ela precisa para expressar seu valor intrínseco.


Medicação




Este é um assunto que quero esclarecer bem, para não ser mal interpretada.

De princípio, quero deixar claro que entendo que a medicação é uma bênção de Deus, manifestada através das descobertas científicas, para o alívio dos sofrimentos humanos. Mas é preciso ficarmos de olhos abertos para os possíveis abusos e interesses comerciais e econômicos.

Recentemente, li num dos jornais mais respeitados no país um artigo alertando para o fato de muitos laboratórios exagerarem os sintomas de algum mal-estar, classificando-o como doença, para que possam vender cada vez mais seus medicamentos. Várias das pessoas que atendo têm saído dos consultórios médicos com uma receita de antidepressivos. Algumas apenas se queixaram de cansaço, outras estavam sensíveis (até em função da terapia), chorando com mais freqüência, e logo foram diagnosticadas como depressivas, necessitando de medicação. E, pasme, outras só queriam fazer uma dieta para perder alguns quilos!

Como se descobriu que as drogas antidepressivas diminuíam o apetite, passou a ser muito simples que alguns médicos prescrevam o mesmo remédio para as pessoas comerem menos e emagrecerem! Quando observo essas coisas, fica em mim uma desconfiança de que a reportagem do jornal esteja coberta de razão. Ou seja, remédios são inventados, faz-se uma campanha para que os consumidores acreditem que alguns dos seus sintomas são sinais de prováveis doenças, e os médicos precisam receitá-los para que sejam consumidos.



Observe o que diz a reportagem:



Indústria cria doença para vender cura

Onze estudos publicados em revista médica afirmam que laboratórios exageram na incidência de distúrbios, por Ian Sample.

Você está no sofá depois de um dia de trabalho e deveria relaxar. Em vez disso, sente um desejo irresistível de sacudir as pernas. Enquanto isso, seus filhos fazem uma algazarra na sala e, para completar, sua vida sexual está uma porcaria. É apenas uma cena cotidiana na vida de muitas pessoas ou a combinação de três condições médicas recém-identificadas que podem ser tratadas com uma simples pílula?
A segunda hipótese é a correta, de acordo com 11 artigos publicados pelo respeitável Public Library of Science Medicine. Pesquisadores da Grã-Bretanha, Estados Unidos e outros países argumentam que pessoas saudáveis estão sendo transformadas em pacientes por companhias farmacêuticas. Elas divulgam problemas mentais e sexuais e promovem condições médicas pouco conhecidas para, enfim, revelarem os medicamentos que, dizem elas, podem tratá-los.

Algumas das maiores e mais lucrativas farmacêuticas do mundo apresentaram uma série de novas drogas para tratar a “síndrome das pernas inquietas”, o transtorno bipolar, o transtorno do déficit de atenção com hiperatividade em crianças e a disfunção sexual feminina. Os estudiosos alertam que novas doenças estão sendo definidas ou exageradas por especialistas muitas vezes financiados pelos próprios laboratórios.
Os artigos acusam a indústria da venda de doenças - prática na qual se infla o mercado de uma droga convencendo as pessoas de que elas estão doentes e precisam de tratamento médico.
Segundo eles, campanhas publicitárias aumentam a venda de drogas dando um enfoque médico a aspectos da vida normal (como a sexualidade), retratando problemas moderados (a irritabilidade) como doenças graves e sugerindo que condições comuns (como o impulso de mexer as pernas) sejam doentias...
“A promoção de doenças explora os mais profundos medos atávicos do sofrimento e da morte”, diz a clínica-geral Iona Heath, do Caversham Practice, em Londres, que contribuiu para a publicação. “É do interesse das farmacêuticas expandir o âmbito do anormal, para que o mercado dos tratamentos seja proporcionalmente ampliado.”
No editorial, Ray Moynihan e David Henry afirmam:

 “Alianças informais entre corporações farmacêuticas, empresas de relações públicas, grupos de médicos e defensores de pacientes promovem essas idéias para o público e os responsáveis por decisões políticas, muitas vezes usando a grande mídia para impor uma certa visão sobre um problema de saúde específico”.


Virginia Moreira, doutora em psicologia e que fez parte como pesquisadora do programa de pós-doutorado em Medicina Antropológica da Universidade de Harvard, desenvolvendo um projeto de pesquisa crítico-cultural sobre a depressão no mundo contemporâneo, descreve com propriedade o enfoque exagerado no uso da medicação:

Não pretendo negar aqui a existência de uma dimensão bioquímica na etiologia da depressão, nem o valor das descobertas mais recentes no campo da psicofarmacologia, que representam sem dúvida um avanço do conhecimento biomédico, que é necessário e útil no combate ao sofrimento psíquico. Cabe, no entanto, denunciar o uso comercial, irresponsável, indevido e exagerado de drogas que, mal administradas, fazem mais mal que bem. Não se pode esquecer que no panorama atual da abordagem e do tratamento das doenças mentais, o modelo biomédico prevalece [...], atrelado a interesses econômicos de laboratórios multinacionais. Trata-se o sintoma, deixando de lado a etiologia, o que, mais uma vez, está relacionado à ideologia biomédica de cunho organicista e individualista que, como lembra Silva [...], corresponde à instauração da propriedade, característica fundamental da ordem socioeconômica capitalista.
A utilização do remédio, prescrito para “consertar” as alterações da serotonina, tem a ver com uma forma pós-moderna, onde se requer respostas e soluções imediatas para os problemas. Morris [...] faz uma analogia entre o gosto público em voga por consertos rápidos e curas instantâneas através de drogas e cirurgias, o que ajuda a manter vigente o modelo biomédico, como o gosto pelo fast-food. No entanto, a assim chamada revolução em psiquiatria, que entende a depressão como uma alteração bioquímica, não é uma completa vitória para os pacientes. As pílulas são mais fáceis e mais baratas que uma psicoterapia, por exemplo, e muito mais simples ainda do que pensar em termos de saúde psicológica comunitária, que exige medidas macrossociais preventivas; mas o tratamento e de uma disfunção neuroquímica através de drogas apenas corrige um desequilíbrio biológico, não explica como e porque este desequilíbrio ocorreu, nem previne contra a sua recidiva.
Não é à toa que o significado da depressão restrito a um distúrbio serotoninérgico seja bem-vindo ao mundo contemporâneo que vive o imperialismo da sintomatologia. Esse significado reforça uma ideologia em que nos vemos como feixes nervosos que reagem a estímulos neuroquímicos, distanciando-nos da idéia de que somos, em vez disso, seres que falam e agem segundo intenções moralmente dirigidas.

Ana Maria Sigal, psicóloga e palestrante que participou de uma jornada sobre o tema “Sintoma”, se impressiona com a hipermedicação em crianças. Ela acha exagerado e prejudicial ao trabalho em psicologia a prescrição de certas drogas antidepressivas:

O que nos assusta é o número sempre crescente de educadores, médicos e psicanalistas que ficam seduzidos pela suposta facilidade e felicidade proporcionadas pelos medicamentos que tendem a indicá-los. Preocupa-nos ver a conivência, ingênua ou nem tanto, com o uso de medicação que promete sucesso rápido na prática clínica.
Em nosso meio, vemos aumentar a complacência para com a medicação infantil, criando um exército de dependentes químicos que não são denunciados por infringir as leis impostas pela sociedade — esta, ao contrário, os induz a drogarem-se, para evitar o descontentamento que os sintomas denunciam. As estatísticas mostram que nos últimos quatro anos duplicou o número de crianças medicadas com Ritalina. Essa substância estimulante evitaria a desatenção e a hipercinesia, sintomas que, todavia, podem ser mais bem compreendidos à luz dos efeitos que uma sociedade midiática produz, transformando a subjetividade e nela operando.
O corolário disso é que se faz necessário pensar a própria realidade como produtora de patologias.

Para Sigal, os sintomas infantis, na maioria das vezes, estão denunciando a ausência dos pais e das mães, imersos num sistema que os engole. Segundo o relato de Sigal, os que pertencem a uma classe social mais abastada entregam os filhos aos cuidados de babás, motoristas, enfermeiras e outros profissionais; e os que são de classe social mais desfavorecidas desamparam e descuidam dos filhos por causa da luta pela própria sobrevivência, com subempregos ou, o que é ainda pior, desempregados. Por fim, Sigal faz um apelo: “denunciar a hipermedicalização [sic] das crianças é um compromisso ético”.
Felizmente, nem todos os profissionais da medicina entram nesse esquema capitalista de produção, manipulação e consumo. Muitos que conheço praticam a medicina com seriedade, ética e respeito pela pessoa. Isso significa que são profissionais que enxergam além das aparências; percebem o que pode estar por trás de uma nova medicação e não estão interessados apenas em eliminar os sintomas de algum mal, mas também em ajudar a pessoa a trabalhar as causas de suas dores, explorando todas as possibilidades para que o desconforto seja visto como realmente é. Em muitas ocorrências são sintomas normais que se manifestam como reação saudável a determinados acontecimentos. Outras vezes será necessária a solução das dificuldades em áreas da vida, diferentes do corpo físico, para que o transtorno seja aliviado.
Desconfio também de que, para muitos profissionais, é mais fácil a indicação medicamentosa para sedar e acalmar uma pessoa deprimida do que um tratamento pessoal e diferenciado a cada pessoa que busca ajuda. Elisabeth Kübler-Ross, médica suíça, quando trabalhava num hospital psiquiátrico de Manhattan, ao ser interrogada por seus superiores sobre o sucesso que os internados sob seus cuidados tinham, melhorando e recendo alta, respondeu: “Não se pode enchê-los de remédios até ficarem apáticos e querer que melhorem”.E continuou a resposta, dizendo que não se referia aos internados como quase todos os outros profissionais fazem: o doente da cama tal..., pois considerava muito importante tratá-los como gente e sempre se referia a eles pelo nome. Ela também tinha interesse em saber alguma coisa pessoal e conhecia os costumes de cada pessoa que estava sob sua responsabilidade. Kübler-Ross terminou sua resposta, dizendo: “E eles reagem muito bem a isso”.
A doutora Kübler-Ross, que trabalhou por trinta anos com pessoas adoecidas em fase terminal, se tornou famosa pelo respeito que teve por seus pacientes; ela sabia que a escuta atenciosa e o interesse pessoal podem ter mais poder terapêutico do que muitos remédios.
James Glass, citado na biografia de John Forbes Nash Jr. — um gênio mundialmente reconhecido e ganhador do prêmio Nobel de Economia em 1994 —, depois que pesquisou sobre a passagem dele por Princeton, justificando a liberdade lingüística recuperada por Nash, disse: “O fato de ficar mais livre para se expressar, sem medo de que alguém o mandasse ficar calado ou o entupisse de remédios, deve tê-lo ajudado a sair do seu isolamento lingüístico hermético, para onde fizera uma retirada desastrosa”.Glass, em suas observações, notou que a liberdade e o respeito pela pessoa do “doente” também tem um efeito curativo elevado.


Reconheço, porém, que muitas depressões podem ter causas puramente fisiológicas, caso em que a prescrição de remédios, pelo médico psiquiatra, é necessária e poderá ser de grande ajuda para a pessoa que está em sofrimento.
As pesquisas científicas e as descobertas são necessárias, e me alegra saber que uma pessoa não precisa suportar uma terrível dor de cabeça ou uma cólica, sendo que existem tantos analgésicos que podem ajudar numa situação assim. Todavia, a medicação tanto pode ser uma ajuda como pode ser um estorvo. E o tratamento medicamentoso passa a atrapalhar quando elimina todos os sintomas do mal-estar da pessoa, eliminando assim a possibilidade da identificação de alguma provável causa para a depressão.
O ser humano tem limites diferentes para suportar dores e sofrimentos. Alguns agüentam muito bem toda angústia de uma depressão, mesmo sendo das severas. Outros são mais sensíveis e, mesmo tendo uma depressão classificada como leve, precisam da ajuda medicamentosa.
Em psicoterapia, diferentemente da medicina, não eliminamos todos os sintomas de algum sofrimento, pois é através desses sintomas que a pessoa pode descobrir as situações que a fazem ingressar em estados depressivos, ou até numa depressão considerada severa, e pode também avaliar se há fatos que pertencem ao passado cujos sentimentos continuam vivos na memória, de forma perceptível ou não.
Em minha opinião, o remédio só se faz necessário quando a pessoa não consegue dar conta das tarefas de sua responsabilidade cotidiana. É o caso de uma mãe não conseguir cuidar dos afazeres e das responsabilidades para com os filhos, de um estudante que não consegue se concentrar nos estudos e nas aulas, ou de alguém que não consegue trabalhar e começa correr o risco até de perder o emprego. Ou então quando a pessoa não consegue dormir e descansar, chegando à exaustão. Não há vantagem nenhuma em estar estressado a ponto de fisicamente não ter condições de apresentar algum rendimento. Mas, enquanto o indivíduo tem condições de levar sua vida dentro de certa normalidade, dando conta das responsabilidades e obrigações, a medicação não se faz necessária, sobretudo quando a pessoa não quer tomá-la. Sei que algumas pessoas podem estar apáticas e sem condições interiores de perceber até o que pode lhe fazer bem. Mas essas pessoas em geral não procuram ajuda por si mesmas. Elas são trazidas ou orientadas por familiares e amigos que estão próximos. Nessas situações, não resta dúvida de que o acolhimento, a empatia, a compreensão e o terapêutico em psicoterapia também se fazem necessários à consulta psiquiátrica.

Empatia
Empatia é talvez uma das posturas mais difíceis de explicar teoricamente. Talvez por isso existam muitas coisas escritas a respeito. Penso que também é uma postura muito difícil de ser posta em prática. Clara Feldman,psicóloga e escritora, acha muito comum confundirmos empatia com simpatia. No entanto, a empatia é uma qualidade imprescindível para o profissional ou conselheiro na ajuda às pessoas que se encontram em depressão. Vamos pensar num exemplo fictício. Uma jovem chega chorando e pedindo ajuda porque seu namorado não quer mais continuar o namoro e ela está sofrendo muito com a perda. A postura simpática diria o seguinte: “Calma, não chore. Isso passa. Logo, logo você arruma outro. Você é tão bonita”. A postura empática tentaria perceber todos os sentimentos aparentes e até os não aparentes que naquele momento estão acentuados na jovem. A fala poderia ser assim: “Estou
vendo que você está muito triste e desesperada. É como se nunca mais a vida tivesse sentido para você. Parece que o chão saiu debaixo dos seus pés, não é?”. Na postura empática, não há ainda o interesse em consolar e muito menos de solucionar a dor naquele momento.
Ter empatia é a capacidade que uma pessoa pode desenvolver em fazer a conexão com os sentimentos de outra sem perder a própria identidade, sem deixar de ser ela mesma, sem deixar-se afetar por sentimentos que não são seus. É preciso, porém, estar consciente de que, por mais que se tenha empatia, não se conseguirá experimentar a dor do outro em toda a sua intensidade. No caso da nossa jovem, dar a ela uma resposta com identificação seria assim: “Como ele pôde fazer isso com você? Depois de tanto tempo, dar o fora em você dessa maneira? Isso é arrasador!”. Essa resposta indica que o conselheiro, ou profissional, focou-se mais no possível ofensor do que na pessoa que busca ajuda.
Carl Rogers, depois de vários anos praticando e refletindo sobre o conceito e a prática da empatia, a definiu assim: “O estado de empatia ou ser empático consiste em aperceber-se com precisão do quadro de referências interno de outra pessoa, juntamente com os componentes emocionais e os significados a ele pertencentes, como sê fôssemos a outra pessoa, sem perder jamais a condição de ‘como se’ ”.
Quando se trata de ajudar as pessoas que estão com depressão, empatia significa que consigo fazer uma conexão com a tristeza, com a apatia e com outros sentimentos característicos da depressão, sem me deprimir junto com a pessoa. Nessa atitude, a pessoa se sente compreendida e livre para expressar todo e qualquer sentimento de que ela tem consciência. E em muitas situações o simples fato de sentir-se aceita e compreendida já é o suficiente para que o deprimido tenha algum estímulo que poderá dar a alavanca inicial para seu fortalecimento e encorajamento necessários para a retomada da vida.
A ausência da empatia bloqueia a espontaneidade e dificulta a liberdade para que a pessoa abra seu coração na íntegra e expresse seu desconforto, atrasando, assim, o processo de melhora. Pior ainda é que quando a pessoa não se sente compreendida e aceita. Em sua fragilidade, ela terá a tendência de reforçar o discurso ou a postura de autocomiseração e a imagem de vítima.
Na empatia, não há a tentativa de fazer a pessoa se sentir melhor, ou de mudar a visão ou a compreensão dela. Quando se trata de alguém em depressão, apenas se faz uma conexão com os sentimentos da pessoa, tentando sentir como é estar no lugar dela, sentindo toda tristeza, desânimo, medo ou qualquer outro sentimento que puder ser captado. Pode-se então comunicar para a pessoa todo o desconforto dos sentimentos dela. Em geral, quando isso acontece, o deprimido recebe encorajamento, percebe que pode contar com a aceitação e a compreensão daquela pessoa. E muitas vezes nesse acolhimento acontece o bloqueio do processo depressivo e o início para a retomada da vida cotidiana novamente.

Ouvir


Ouvir é uma das coisas mais difíceis de serem praticadas; todavia, é muito importante no trabalho com a pessoa deprimida. Em geral, entendemos que não ter uma resposta é constrangedor e de menor valor. O silêncio entre a fala

de alguém e a resposta é angustiante para quem está presente. E o interlocutor procura logo um meio de preencher esse espaço silencioso com alguma fala, mesmo que não saiba como ou não tenha nada para responder


Assim tiramos a oportunidade daquele que falou de ouvir a si mesmo. E o pior é que é comum dar uma resposta que, em vez de facilitar, bloqueia a continuação do diálogo.
Estamos mais preparados a dar receitas, fórmulas, fazer citações bíblicas ou indicar algum livro de auto-ajuda a experimentar o silêncio, que permite uma escuta melhor do que o outro quer falar. Rubem Alves esclarece: “É preciso saber ouvir. Acolher. Deixar que o outro entre dentro da gente. Ouvir em silêncio. Sem expulsá-lo por meio de argumentos e contra-razões. Nada mais fatal contra o amor do que a resposta rápida”.
Mas não é só contra o amor que o não ouvir e a resposta rápida são terrivelmente fatais. O é também para qualquer interação de ajuda e para qualquer relacionamento, mas é especialmente perigoso contra as pessoas em depressão. “Não há duas pessoas com o mesmo tipo de depressão. Como flocos de neve, as depressões são sempre únicas, cada qual baseada nos mesmos princípios essenciais, mas cada uma exibindo um formato irreproduzível e complexo”, conclui, muito apropriadamente, Andrew Solomon. De fato, não existem dois problemas nem duas depressões iguais, porque não existem duas pessoas iguais. É possível encontrar pessoas que se identificam ou que apresentam causas e sintomas parecidos. Mas uma escuta minuciosa revelará diferenças profundas.
Rachel Remen, médica, ao se referir à capacidade de ouvir de Carl Rogers durante os atendimentos, destaca:

Ouvir é o mais antigo e talvez o mais poderoso instrumento de cura. Com freqüência, é pela qualidade do modo como ouvimos e não pela sabedoria de nossas palavras que conseguimos efetuar as mudanças mais profundas nas pessoas que nos cercam. Quando ouvimos, oferecemos com nossa atenção uma oportunidade para a integridade. Nossa atenção cria um santuário para as partes sem lar que existem dentro da outra pessoa. As que foram negadas, desprezadas, desvalorizadas por ela mesma e pelos outros. Nesta cultura, a alma e o coração com freqüência ficam sem lar. Ouvir cria um silêncio sagrado.

O pior inimigo para uma boa escuta é a preocupação com a resposta. Quando nos preocupamos com a resposta, haverá um desligamento, um afastamento da pessoa e do que ela está dizendo. Quem quiser ouvir verdadeiramente terá de se esvaziar de julgamentos, valores, conceitos, terá de se livrar da crença de que precisa ter uma resposta, para concentrar toda sua atenção na pessoa à frente. A comunicação dessa pessoa pode então penetrar no espaço que se cria no interior do outro e nesse encontro pode acontecer alguma resposta que semeie algo novo no coração do aflito.
A tarefa de ouvir não inclui apenas os ouvidos. Quando se trata de uma pessoa entregue ao processo de depressão é necessário ouvir também com os olhos e com o coração. É preciso ouvir o que a pessoa diz, mas também ouvir o que a pessoa não diz. E há situações que se faz necessária uma percepção apurada até para ver e ouvir o que a pessoa em sofrimento não comunica. A pessoa em depressão muitas vezes, se torna silenciosa, ou porque está extenuada e até o falar é cansativo, ou porque o desânimo é tal que destrói todos os recursos para que ela possa expressar suas necessidades.
É claro que falo aqui não silêncio oco, vazio e estéril. Nem do silêncio da omissão e da indiferença. Refiro-me ao silêncio de alguém que está integrado e presente, transmitindo uma conexão viva. 

Aceitação e acolhimento

Aceitar o deprimido significa ter recursos emocionais e condições de dar acolhimento, de receber, em si mesmo, toda a tristeza da pessoa, sem exigir que ela mude ou tenha outra conduta. Quando somos capazes de aceitar o deprimido, teremos para com ele também uma postura e palavras bondosas. Os familiares deveriam saber acolher e aceitar o parente deprimido. Mas, infelizmente, na maioria dos casos é o contrário disso o que acontece. Os familiares, mesmo os mais preparados, acabam se cansar e desistem da pessoa. Mesmo quando estamos cansados, podemos dizer à pessoa deprimida que naquele momento não temos condições, porque também estamos precisando de descanso e sossego. É melhor sermos sinceros com os nossos limites do que prestarmos qualquer ajuda ou serviço irritados, porque estaremos indo além do que temos disposição para fazer.

Tirando proveito da depressão

Estou aqui, no topo de uma das montanhas da cidade de Campos do Jordão. Aproveitando o fim do ano de 2006, tirei uns dias de férias dos atendimentos no consultório para concluir este livro. Daqui de onde estou sentada, diante do meu computador portátil, posso ver vários tons de verde e muitas flores; bem aqui, na minha janela, há uma floreira de madeira com Impatiens multicoloridas, e volta e meia aparece um beija-flor, dando um encanto para este lugar que enche meu coração de êxtase.
Estar em meio a tanto verde e belezas naturais, como é o caso aqui — ar puro, silêncio, sossego, céu azul e limpíssimo, com a ausência total de poluição e muito sol —, torna difícil acreditar que neste momento existem milhões de pessoas que só enxergam um cinzento tenebroso em tudo ao seu redor, simplesmente porque estão deprimidas. No entanto, sei, com certeza, que se eu já não tivesse experimentado todo o peso da melancolia e da tristeza que penetra até o fundo da alma, prostrando a mais valente das pessoas na face da Terra, não perceberia a beleza esplêndida existente em cada detalhe da natureza, no reino animal e na dinâmica humana. É o escuro da noite que prepara o coração para receber o brilho do sol da manhã! A vida só é bela e venturosa se a vivermos com toda a intensidade, se vivermos tanto o belo e prazeroso como o feio e dolorido.
O maior proveito que podemos tirar dos processos depressivos é este: quando entramos e caminhamos em nossa noite escura, depois do vale tenebroso, sairemos do outro lado; lá, seremos aquecidos com o calor de um sol acolhedor.
Sabendo que a tristeza depressiva faz parte das reações às perdas no desenrolar da vida...

... que, quando ela aparece, em geral é um aviso de que a vida que tínhamos até o momento precisa de transformação...
... ou que precisamos nos adaptar à nova situação...
... ou ainda que precisamos de alguém que nos dê mais cuidado e atenção...
... sabendo ainda que todos nós a teremos um dia, em maior ou menor grau...
... que os personagens bíblicos, que hoje temos como exemplo, passaram por crises depressivas e depressões agudas...
... que até Cristo se entristeceu profundamente, sentindo o gosto da morte na sua tristeza...

... que o penetrar no escuro tenebroso do mundo dolorido da depressão poderá acrescentar riquezas e tesouros indescritíveis à nossa alma e vivência...
... que chorar é um bom remédio para desatar nossos nós emocionais...
... que é legítimo e permitido nos encolhermos, por um tempo, e ficarmos conosco mesmos, assumindo diante dos amigos, parentes e família que estamos entristecidos...
... que, além da ajuda dos médicos e dos psicólogos, nas situações insuportáveis podemos recorrer à medicação...
... que existem pessoas que sabem nos ouvir empaticamente, acolher, compreender e nos tocar com carinho quando estamos deprimidos...
... que Deus não condena nem recrimina o entristecido, mas socorre e supre o coração abatido e sem vigor...
... sabendo de tudo isso, então, tenhamos a certeza de que somos normais e a esperança de que o Pai cuidadoso muda “o [nosso] pranto em dança, a [nossa] veste de lamento em veste de alegria”. 




Nota  :   Na fonte acima está anotada toda bibliografia pequisada.



2 comentários:

  1. Amiga! Maravilhoso tratado sobre a depressão. Apesar de ser um texto longo (tu já havias alertado no início...kk) é valiosíssimo e vale a pena, sim, ser lido na íntegra.
    bj

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  2. Acho que não conheço você, mas quero que saiba que fiquei emocionada quando vi meu texto no seu blog. Que por sinal é um blog de alta qualidade.
    Abração carinhoso
    esther carrenho

    ResponderExcluir

Muito obrigada pela visita.
Volte sempre!!
Rejane

Textos no arquivo :

"Quando uma criatura humana desperta para um grande sonho e sobre ele lança toda a força de sua alma... Todo o universo conspira a seu favor!" - Goethe "Sou sempre eu mesma,mas com certeza não serei a mesma para sempre!" Clarice Lispector

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"Quando uma criatura humana desperta para um grande sonho e sobre ele lança toda a força de sua alma... Todo o universo conspira a seu favor!" - Goethe





"Sou sempre eu mesma,mas com certeza não serei a mesma para sempre!"



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