"Vença a si mesmo e terá vencido o seu próprio adversário." (Provérbio japonês)



“Presos ou soltos, nós, seres humanos, somos muito cegos e sós. Quase nunca conseguimos transcender os nossos estreitos limites para enxergar os outros e a nós mesmos sem projetar o nosso próprio vulto na face alheia e a cara dos outros na nossa.”

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sábado, 16 de fevereiro de 2013

A Realidade da Vida e a Realidade do Mundo.


A Realidade da Vida e a Realidade do Mundo

A nossa crença na realidade da vida e na realidade do mundo não são, com efeito, a mesma coisa. A segunda provém basicamente da permanência e da durabilidade do mundo, bem superiores às da vida mortal. Se o homem soubesse que o mundo acabaria quando ele morresse, ou logo depois, esse mundo perderia toda a sua realidade, como a perdeu para os antigos cristãos, na medida em que estes estavam convencidos de que as suas expectativas escatológicas seriam imediatamente realizadas. A confiança na realidade da vida, pelo contrário, depende quase exclusivamente da intensidade com que a vida é experimentada, do impacte com que ela se faz sentir.



Esta intensidade é tão grande e a sua força é tão elementar que, onde quer que prevaleça, na alegria ou na dor, oblitera qualquer outra realidade mundana. Já se observou muitas vezes que aquilo que a vida dos ricos perde em vitalidade, em intimidade com as «boas coisas» da natureza, ganha em refinamento, em sensibilidade às coisas belas do mundo. O facto é que a capacidade humana de vida no mundo implica sempre uma capacidade de transcender e alienar-se dos processos da própria vida, enquanto a vitalidade e o vigor só podem ser conservados na medida em que os homens se disponham a arcar com o ónus, as fadigas e as penas da vida. 



Hannah Arendt, in 'A Condição Humana'




 É preciso repensar a nossa vida. Repensar a cafeteira do café, de que nos servimos de manhã, e repensar uma grande parte do nosso lugar no universo. Talvez isso tenha a ver com a posição do escritor, que é uma posição universal, no lugar de Deus, acima da condição humana, a nomear as coisas para que elas existam. Para que elas possam existir… Isto tem a ver com o poeta, sobretudo, que é um demiurgo. Ou tem esse lado. Numa forma simples, essa maneira de redimensionar o mundo passa por um aspecto muito profundo, que não tem nada a ver com aquilo que existe à flor da pele. Tem a ver com uma experiência radical do mundo.
Por exemplo, com aquela que eu faço de vez em quando, que é passar três dias como se fosse cego. Por mais atento que se seja, há sempre coisas que nos escapam e que só podemos conhecer de outra maneira, através dos outros sentidos, que estão menos treinados… Reconhecer a casa através de outros sentidos, como o tacto, por exemplo. Isso é outra dimensão, dá outra profundidade. E a casa é sempre o centro e o sentido do mundo. A partir daí, da casa, percebe-se tudo. Tudo. O mundo todo.

     Al Berto, in "Entrevista à revista Ler (1989)"]






Percepção da realidade e do mundo é ilusória; saiba por quê

por Monica Aiub


“O mundo é a minha representação – Esta proposição é uma verdade para todo o ser vivo e pensante, embora só no homem chegue a transformar-se em conhecimento abstrato e refletido. A partir do momento em que é capaz de o levar a este estado, pode dizer-se que nasceu nele o espírito filosófico. Possui então a inteira certeza de não conhecer nem um sol nem uma terra, mas apenas olhos que veem este sol, mãos que tocam esta terra; numa palavra, ele sabe que o mundo que o cerca existe apenas como representação, na sua relação com um ser que percebe, que é o próprio homem” (Schopenhauer).


"Você já reparou como pessoas diferentes, diante de uma mesma situação, podem enxergar ou destacar aspectos totalmente distintos? Já ocorreu de você compreender um fato, uma ideia, uma afirmação de maneira totalmente distinta de alguém que presenciou o mesmo fato, ideia ou afirmação juntamente com você?"




Em primeiro lugar é preciso discernir entre diferentes conceitos de representação expressos na citada obra. No livro I ele apresenta um primeiro ponto de vista: A representação submetida ao princípio da razão suficiente: o objeto da experiência e da ciência. Segundo esse conceito, tudo o que existe, existe para o pensamento, existe em relação a um sujeito que conhece. Desta forma, cada representação é única, singular a cada sujeito que conhece, e não há como dois sujeitos terem uma mesma representação.




Maya: véu da ilusão

“É Maya, é o véu da ilusão, que, ao cobrir os olhos dos mortais, lhes faz ver um mundo que não se pode dizer se existe ou não existe, um mundo que se assemelha ao sonho, à radiação do sol sobre a areia, onde, de longe, o viajante crê aperceber uma toalha de água, ou ainda a uma corda atirada por terra, que ele toma por uma serpente.” (Schopenhauer citando trechos dos *Vedas e dos Puranas).

Ao mesmo tempo em que se inspira na perspectiva kantiana que questiona os limites da razão – mostrando que só nos é possível conhecer a partir das formasa priori de nosso entendimento –, ele modifica essa leitura, transformando o sujeito kantiano – universal e necessário – num sujeito empírico, que possui uma historicidade que o situa no mundo, e a partir da qual compreende o mundo. É o sujeito que conhece todo o resto, sem ser ele mesmo conhecido.

Você já reparou como pessoas diferentes, diante de uma mesma situação, podem enxergar ou destacar aspectos totalmente distintos? Já ocorreu de você compreender um fato, uma ideia, uma afirmação de maneira totalmente distinta de alguém que presenciou o mesmo fato, ideia ou afirmação juntamente com você? Essas diferentes leituras, feitas por diferentes sujeitos, exemplificam o conceito de representação submetida ao princípio da razão suficiente de Schopenhauer.

Quando afirmamos que, em filosofia clínica, o que interessa é conhecer a representação da pessoa, isso significa tentar conhecer a forma como essa pessoa representa o mundo. Obviamente, se afirmássemos que o filósofo clínico consegue atingir um conhecimento pleno, total, dessa forma de representar o mundo, estaríamos entrando em contradição, ou atribuindo a esse profissional um poder superior ao de outros seres humanos. É claro que não se trata disso. Trata-se, todavia, de construir uma representação do filósofo clínico acerca da representação do partilhante - paciente.

Uma vez que não é possível, a duas pessoas, possuírem a mesma representação – pois esta somente existe para o sujeito que conhece, em sua singularidade –, o conhecimento, em clínica, da representação do partilhante, se dá por aproximação. Assim sendo, não cabe ao filósofo clínico julgar, adivinhar, atribuir significados ou interpretar. Cabe-lhe ater-se ao que lhe é possível conhecer: o fenômeno, o que se mostra, as descrições feitas pelo partilhante. Com isso é possível ter acesso ao que realmente acontece com a pessoa? Ao mundo no qual esta se encontra inserida? Não. Apenas à sua representação.

Desta forma, se o partilhante apresenta uma possibilidade para conduzir sua vida que é totalmente desconhecida ao filósofo clínico, não cabe a ele avaliá-la como impossível, impraticável, mas sim pesquisar as formas de efetivação existentes no contexto do partilhante, ou conhecidas, pensadas ou criadas por ele. Cabe também questionar o partilhante sobre as possíveis consequências das possibilidades apresentadas, considerando, principalmente, aquilo que lhe é caro – e que foi pesquisado anteriormente, a partir dos dados coletados durante o procedimento de colheita da historicidade (clique aqui).


Sob um outro olhar

Se trouxéssemos isso para a vida cotidiana, fora do consultório, talvez discutíssemos menos, brigássemos menos e compreendêssemos mais. Se pudéssemos considerar que cada pessoa vê o mundo de uma maneira própria e, ao invés de tentarmos afirmar nossa forma de representá-lo, tentássemos compreender as diferentes formas como legítimas, talvez conseguíssemos ampliar nossos horizontes, aprendendo novas possibilidades de ver o mundo e de lidar com os problemas.

Essa postura significaria dizer que não existe realidade? Que tudo o que existe é ilusão? Ou ainda, poderia significar assumir uma postura relativista diante da vida e com isso defender um “vale-tudo” no campo da ética?

Apontar os limites da razão e da representação submetida ao princípio da razão suficiente não significa defender um relativismo, muito menos negar a realidade. Significa apenas apontar para os limites do conhecer e, consequentemente, para a impossibilidade de apreensão da totalidade na representação subordinada ao princípio da razão.

Contudo, no terceiro livro, Schopenhauer nos apresenta um segundo ponto de vista sobre a representação: A representação, considerada independentemente do princípio de razão. A ideia platônica: o objeto da arte.

Representação


“Depois de, no primeiro livro, ter estudado o mundo como simples representação, de objeto para um sujeito, nós consideramo-lo, no segundo livro, sob um outro aspecto: descobrimos que esse ponto de vista é o da vontade; ora, a vontade manifesta-se unicamente como aquilo que constitui o mundo, abstraindo da representação; foi então que, segundo esta noção, demos ao mundo, considerado como representação, o seguinte nome, que corresponde tanto ao seu conjunto como às suas partes: a objetivação da vontade, que significa, a vontade tornada objeto, isto é, representação”.

Na acepção de representação independentemente do princípio de razão, Schopenhauer aponta para a totalidade, para o uno, para a possibilidade de formas de conhecimento integrais, que só podem ser atingidas quando nos libertamos do princípio de razão. Ele cita a inspiração do artista, a criação do gênio, as conexões do louco e a postura ascética do santo. Isto é, formas de nos desprendermos daquilo que somos, de nossas representações científico-racionais, e nos permitirmos um contato com o absoluto, com o inefável, com a totalidade.

Não está em questão o uso clínico de tal possibilidade, pois exigiria do profissional tornar-se um asceta, um santo, ou depender de uma inspiração que não se dá com hora marcada. Assim sendo, o conceito de representação, de Schopenhauer, utilizado na filosofia clínica refere-se ao descrito no livro I de O mundo como vontade e representação.

Apenas como acréscimo, é importante ressaltar que o conceito de representação independentemente do princípio de razão permite conceber outras formas de conhecimento além da razão, que serão exploradas pelo perspectivismo nietzschiano como conhecimento estético (clique aqui). Ainda que o filósofo clínico não faça uso deste segundo conceito de representação, sua derivação no conceito de conhecimento estético apresenta-se na clínica filosófica em diferentes tópicos e **submodos que fazem uso de um conhecer por sensações. 



*Vedas: livros sagrados da Índia

**Submodos: Formas, modos que utilizamos para lidar com nossas situações.


Fonte:  vyaestelar
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"Quando uma criatura humana desperta para um grande sonho e sobre ele lança toda a força de sua alma... Todo o universo conspira a seu favor!" - Goethe "Sou sempre eu mesma,mas com certeza não serei a mesma para sempre!" Clarice Lispector

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"Quando uma criatura humana desperta para um grande sonho e sobre ele lança toda a força de sua alma... Todo o universo conspira a seu favor!" - Goethe





"Sou sempre eu mesma,mas com certeza não serei a mesma para sempre!"



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