Agressividade e Violência
Renê Pereira Melo Vasconcellos
A agressividade é um componente importante de vivência de todo ser humano e se articula na afetividade de todas as pessoas. Por isto mesmo, é algo natural e necessário para a sobrevivência e crescimento do homem! O que faz esta afirmativa parecer antipática, é como esta agressividade se desdobra. O importante neste desdobramento é como o sujeito expressa ou canaliza sua agressividade. Esta expressão pode se manifestar em três níveis básicos: 1- o sujeito canaliza sua agressividade para um alvo, um objetivo, uma meta ou uma realização.
Exerce sua agressividade de modo a se expressar o mais genuinamente possível como pessoa, em busca do seu equilíbrio ou em prol de outros, ou da comunidade. 2- num outro nível, o sujeito engole sua agressividade, reprimindo-a e vai sorvendo-a como um veneno perigoso que vai pouco a pouco dilacerando e dissolvendo-o por dentro. Esta energia poderosa volta para o interior do indivíduo e provoca o efeito inverso ao esperado, promovendo assim um lento suicídio existencial que se caracteriza por uma "vontade de nada". Nestas circunstâncias a sentimento mal digerido volta-se contra o próprio indivíduo na forma de somatizações ou tornando-o um "insípido existencial". 3- aqui temos o sujeito que orienta sua agressividade para o próximo: por não encontrar seu próprio caminho, se ressente com o outro como se aquele fosse responsável pelo seu desassossego interior ou em última instância simplesmente odeia a felicidade do próximo porque esta dá testemunho de sua miséria existencial.
Seu olhar neurótico detecta ali o obstáculo para sua felicidade, e começa a destilar canalizando para as pessoas a seu redor sua agressividade adoecida. No limite, esta agressividade degringola em ódio e violência, isto acontece quando a agressividade genuína na criança nunca foi reprimida aliado ao fato de que suas necessidades afetivas não foram supridas; é a típica criança invejosa que tudo pode e nada tem ou que nada teve e tudo quer. Mas, afinal, o que é ser agressivo? O homem começa sua caminhada rumo à civilização atento ao mais mínimo ruído vindo da floresta; o menor som poderia significar um perigo de morte ou apenas o almoço que se mexia sorrateiramente entre os arbustos. Para sobreviver, este homem primitivo aguçou seus sentidos para vencer os desafios da natureza e todos os dias "saía para matar um leão", lutava para abater sua presa a fim de que o grupo pudesse se alimentar. A vida era sistematicamente colocada em jogo, o instante seguinte poderia representar a morte e qualquer atitude demandava um alto grau de agressividade. Viver era extremamente perigoso.
Os anos se passaram e o homem agora já não necessitava pescar, caçar para sobreviver, os supermercados modernos substituíram a selva repleta de perigos por corredores impecavelmente limpos e abarrotados de enlatados, comida congelada e filezinhos de frango, boi e mussarela de búfalo. Tudo isto hermeticamente fechado, devidamente empacotado, sem os terrores da selva.... sem riscos. Assim, o singular movimento do homem no sentido de apreender, abater para, de forma absolutamente categórica, sobreviver, já não se fazia necessário, ficou camuflado nas "facilidades" da civilização.
No entanto, e para enganos de muitos, o homem continua utilizando sua agressividade para se manter vivo, só que agora, de forma elaboradamente sutil. O próprio ato de comer, mastigar, demanda energia e um certo grau de agressividade. O ato sexual, descontadas as preliminares românticas, é essencialmente agressivo, sem falar no ato de parir. As necessidades básicas do ser humano continuam as mesmas e se desenrolam em graus maiores ou menores, mas sempre primitivamente agressivos.
Estes relacionamentos marcados por muitas imposições e pouca ou nenhuma afetividade se manifestam em crianças com tendência ao "auto-suplício", crianças que se distraem arrancando fios de seu próprio cabelo e, mais tarde, da barba; friccionando a casquinha dos machucados até sangrar e, depois, das espinhas; são crianças que se distraem supliciando seu próprio corpo. Para que as crianças apresentem uma agressividade genuína e socialmente aceita, é necessário que os pais sejam permissivos com seus filhos, aceitando-os e compreendendo-os de forma incondicional, de modo que a independência e a criatividade sejam traços marcantes no comportamento da criança.
Mas, todos estes aspectos seriam irrelevantes se, por outro lado, não for privilegiado nesta relação a imposição de limites claros, num exercício contínuo de respeito ao próximo e à natureza.
Renê Pereira Melo Vasconcellos é psicóloga, doutora em Ciências Políticas e Sociologia pela Universidad Pontificia de Salamanca, na Espanha.
Agressividade e violência (Diferença fundamental)
"Não tirem das crianças a agressividade. Ensine-as apenas a não usar de sua raiva para destruir os outros, invadir o espaço sagrado do outro, a respeitar o outro" Há uma grande diferença entre agressividade e violência. E é de suma importância a distinção entre os dois fenômenos, não só para o nosso equilíbrio emocional, como também para os nossos relacionamentos. Em geral, fazemos confusão entre uma coisa e outra e isso tem trazido graves repercussões na nossa vida.
Examinemos, com cuidado, essa questão. Todos nós nascemos com uma energia vital, através da qual existimos e nos relacionamos com o mundo.
Dependendo da concentração corporal, do direcionamento e do uso dessa energia, ela adquire um nome diferente e poderá ser boa ou má na nossa vida. A energia é uma só e poderá ter o nome de pensamento, sexualidade, amor, raiva, paixão etc. Quando a nossa energia vital é usada para defender nossa integridade física ou psicológica, para nos defendermos dos ataques externos, para impedir a invasão de nossos espaços, ou então para construir, chama-se agressividade e não podemos prescindir dela, sob pena de não sobrevivermos ou não crescermos.
Nesse sentido, a agressividade é um instrumento de vida e, como ferramenta da natureza, é extremamente valiosa. Não importa aqui a intensidade dessa força agressiva, pois ela será determinada pela natureza e força do invasor ou da construção a ser feita. A agressividade é essencial para a sobrevivência e o crescimento, ainda que apareça sob a forma de uma voz alta, xingos etc. Pessoas com a agressividade reprimida tornam-se deprimidas, autodestrutivas, autopunitivas, com pouco entusiasmo pela vida e com dificuldade para lutar com a realidade.
Querer acabar com essa pulsão agressiva das crianças, por exemplo, vai provocar a formação de pessoas irritadas, contidas, rancorosas e fechadas. Quando, porém, essa mesma energia é usada para destruir pessoas, invadir espaços alheios, controlar, subjugar, dominar e manipular pessoas passa a se chamar violência. E essa sim deve ser evitada nas relações, pois é antítese do amor, uma vez que destrói a identidade do outro, enquanto ser autônomo e livre . O que é grave, então, nos nossos relacionamentos é a violência, é a invasão e domínio do outro, o desrespeito ao querer do outro, ainda que tal invasão venha com palavras meigas e doces.
Um exemplo que pode esclarecer de vez o que foi dito até aqui: Se alguém vem me matar e eu o mato, isso é apenas agressividade. Se eu beijo alguém contra a vontade dela, é violência. Na prática, temos um grande preconceito com relação à agressividade, à raiva, às brigas e somos extremamente tolerantes com o comportamento violento, como o ciúme, a mágoa e o controle sobre a vida do outro. O ódio não é o contrário do amor.
O contrário do amor é a indiferença, o desprezo, o abandono, a frieza. Não há um sentimento mais próximo do amor do que a raiva. E ela tem uma grande função na nossa vida: resolver problemas, lutar com os obstáculos da realidade. E a briga é construtiva quando o seu objetivo é a resolução dos problemas e ela se torna violenta quando o objetivo é destruir a outra pessoa. Talvez assim se explique a passagem do Evangelho em que Jesus Cristo, ao passar perto do templo de Salomão e, percebendo os vendilhões invadirem (violência) o espaço sagrado, transformando-o num mercado, tomou de um chicote e os expulsou (agressividade), defendendo "a casa do pai".
E quando reprimimos a raiva que deveria ser canalizada na destruição ou construção do mundo, na resolução das dificuldades, ela se transforma em tristeza, mágoa, acabrunhamento e pirraça. Não tirem das crianças a agressividade porque o amor vai junto. Ensine-as apenas a não usar de sua raiva para destruir os outros, invadir o espaço sagrado do outro, a respeitar o outro. Não se preocupe em acabar com a sua energia vital chamada agressividade, mas empreenda esforços em acabar com as suas violências.
Antônio Roberto Soares
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